terça-feira, 22 de junho de 2010

A VERTIGEM DOS GIRASSOIS, por Solange Solon Borges

"Um poeta chinês observou há muitos séculos que recriar algo com palavras equivale a viver duas vezes".
(Frances Mayes)

As estações têm sempre a porta aberta para o segundo verão. Na turbulência dos girassóis exuberantes você surge com o sorriso ávido de flores e ervas aromáticas e percebo que não estou apenas diante de um corpo absolutamente másculo à vontade em si mesmo. Mas um rosto — com seu depoimento de fera e história, com a sua biografia de barcos que atravessaram outros mares em busca das cartas celestiais —, o rosto que desejo tocar com generosidade e toda a delicadeza possível. Quero alcançar esse silêncio belo e mergulhar no arco-íris que gira vertiginoso à sua volta para entendê-lo de fora e também em sua intimidade.

Por isso aprendi a trocar com frequência meus frágeis vasos das janelas, pois o Sol faz seu trabalho feminino de arredondar sombras em cantos ocultos e inesperados e é preciso acompanhar as mudanças. É assim que aguardo a precipitação das sementes e sua eclosão, gerando a absurda amplitude das cores e vertigens. É meu modo de lidar com raízes que pulsam ambivalentes: luzes e penumbras, pássaros e águas, pousos e vôos, plantios e colheitas, mágicas e pólens dourados.

Entre palavras e matizes, sublimo a claridade e meus dias se bastarão para os dias e, então, terei inventado a eternidade.

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